ESCOLAS – ENSINO ONLINE SEM A PROMETIDA TARIFA SOCIAL DE INTERNET
ESCOLAS – ENSINO ONLINE SEM A PROMETIDA TARIFA SOCIAL DE INTERNET
Governo chegou a prometer desconto “até ao final do ano 2020”, mas agora espera ter medida concluída “o mais brevemente possível, ao longo de 2021”
Com o país a passar pela pior fase desde o início da pandemia, os alunos portugueses vão voltar às aulas à distância já a partir da próxima segunda-feira, dia 8. No contexto de telescola e teletrabalho, e de perda de rendimentos para muitas famílias, assegurar o acesso à Internet e garantir às crianças e jovens um computador para os estudos deverá continuar a ser uma preocupação de muitas famílias portuguesas.
O ministro Tiago Brandão Rodrigues garantiu recentemente que vão começar a chegar às escolas mais 335 mil computadores (100 mil foram já entregues a alunos beneficiários da ação social escolar), mas sabe-se pouco sobre a ajuda financeira que as famílias mais carenciadas poderão obter para garantir a conectividade em banda larga às suas crianças e jovens.
O Público questionou o Ministério da Educação sobre o tema da tarifa social e sobre o número de alunos sem acesso à Internet, fixa ou móvel, em suas casas, mas não foi possível obter uma resposta em tempo útil.
Em agosto, o secretário de Estado para a Transição Digital, André Azevedo, adiantou ao jornal que o Governo estava a trabalhar para que a tarifa social de Internet pudesse estar operacional “até ao final do ano de 2020”.
Esta semana, o gabinete de André Azevedo remete “qualquer comentário sobre a criação da tarifa social da Internet para momento oportuno e em coordenação com o gabinete do SEAC, com quem estamos a desenvolver os trabalhos”.
Ora, do gabinete do Secretário de Estado adjunto e das Comunicações (SEAC), Hugo Mendes, a resposta é a de que “o Governo está a trabalhar para que a operacionalização da tarifa social de acesso a serviços de Internet, inscrita no Programa do XX Governo Constitucional, ocorra o mais brevemente possível, ao longo de 2021”.
Medida financiada pelos operadores?
Além de nada se saber sobre prazos de entrada em vigor, menos se sabe sobre o modelo de atribuição, nomeadamente o universo de potenciais beneficiários e os critérios de elegibilidade ou o tipo de desconto e a forma de financiamento.
Em julho, o anterior secretário de Estado das Comunicações, Alberto Souto de Miranda, chegou a anunciar no Parlamento que o Governo já tinha na calha um diploma com a criação de um desconto na “Internet básica”, que beneficiaria as pessoas que “normalmente, beneficiam da tarifa social de eletricidade”.
Este desconto na fatura elétrica chega a cerca de 800 mil famílias beneficiárias de prestações sociais e é suportado pelos produtores de eletricidade, com a EDP à cabeça.
Também no Parlamento, o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, revelou que a medida seria financiada pelos operadores de telecomunicações, um modelo contestado pelas empresas, que entendem que uma iniciativa de alcance social deve ser atendida pelo Orçamento do Estado.
Em declarações enviadas ao Público, a associação que representa os operadores, a Apritel, insistiu que os “enormes benefícios” de “uma política social que visa garantir um acesso adequado à Internet de banda larga a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica” chegam a toda a economia e não apenas ao setor das telecomunicações, pelo que o seu financiamento “deve ser assegurado por fundos públicos”.
Muitas tutelas
Na Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 30/2020, aprovada a 5 de março do ano passado (antes do início da crise pandémica), ficou prometida a “criação de uma tarifa social de acesso a serviços de Internet, que permita a utilização mais generalizada deste recurso, de forma a promover a inclusão e literacia digital nas camadas mais desfavorecidas da população”, num país onde quase um quarto da população nunca usou a Internet.
A medida, incluída no Plano de Ação para a Transição Digital, foi desenhada para promover a “literacia digital e a utilização de serviços básicos digitais”, como a “consulta e utilização de serviços públicos digitais”, o acesso ao homebanking e a “gestão de conta de correio eletrónico”.
Porém, com a necessidade do recurso ao ensino à distância, e com muitas famílias em situação de fragilidade em termos económicos, a medida ganha outra abrangência e urgência.
Apesar de a sua criação ter ficado dispersa, segundo a RCM n.º 30/2020, por diferentes áreas governativas — Economia e Transição Digital, Presidência do Conselho de Ministros, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Infraestruturas e, finalmente, Coesão Territorial —, nem essa divisão de esforços parece ter ajudado a uma concretização mais célere.
Segundo o gabinete de Hugo Mendes, é o Ministério das Infraestruturas e Habitação (de Pedro Nuno Santos) que “tem a iniciativa do processo”, mas conta “com a estreita colaboração” da Secretaria de Estado da Transição Digital (do Ministério da Economia, de Pedro Siza Vieira).
No Verão, Souto de Miranda chegou a adiantar que um desconto na Internet básica, “que permita tudo aquilo que é necessário para trabalhar e estudar”, pudesse antecipar-se à transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas [CECE], que o país deveria ter adotado até 21 de dezembro do ano passado. Nenhuma das duas iniciativas se concretizou.
Segundo o gabinete do secretário de Estado das Comunicações, “a transposição do CECE está a ser ultimada e será feita brevemente”.
Depois de ter rejeitado a proposta de transposição proposta pela entidade reguladora Anacom, optando pela transposição da versão minimalista, o secretário de Estado Hugo Mendes comprometeu-se a enviar o diploma para discussão na Assembleia da República, algo que terá de ser antecedido pela sua validação em Conselho de Ministros.
Entretanto, foi publicado na quinta-feira um despacho de 18 de Janeiro do SEAC, com a definição de um conjunto mínimo de serviços que os serviços de acesso à Internet de banda larga fixa e móvel deverão assegurar (como o acesso a motores de pesquisa, consulta de jornais online, comércio eletrónico ou instrumentos de procura de emprego), que poderá vir a ser utilizada para a definição do futuro serviço universal de banda larga, que está contemplado no CECE.
Operadores ainda desconhecem modelo
Os operadores de telecomunicações garantem que “não são conhecidas características fundamentais” da tarifa social de Internet que o Governo pretende criar, “nem a sua articulação com outras políticas tão ou mais importantes para combater” o risco de exclusão digital de parte da população portuguesa.
Entre elas, destacam “políticas de promoção da literacia digital e de subsidiação de equipamentos terminais”, que consideram “dois dos principais fatores que condicionam a penetração do serviço de acesso à internet em Portugal”.
A associação que representa as empresas, a Apritel, liderada pelo antigo ministro Pedro Mota Soares, sublinha que a tarifa social de Internet “diz apenas respeito ao serviço de acesso à Internet e deverá ser aplicada a uma oferta em que este serviço é prestado de forma isolada, sem estar inserido em qualquer pacote de serviços, e independentemente da tecnologia de suporte”.
A operacionalização deste desconto para os consumidores considerados em situação vulnerável “deve ser ponderada garantindo a respetiva exequibilidade”, sustenta a Apritel.
Fonte: Público | 02-02-2021